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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Oficina na Rocinha associa turismo a desenvolvimento social



Dentro da perspectiva privilegiada pelo IVT de que a atividade turística pode e deve ser mecanismo de Desenvolvimento Social, nossa equipe foi visitar uma iniciativa na Rocinha, Rio de Janeiro, onde uma oficina de guias turísticos mirins oferece uma proposta de vida aos adolescentes da favela.


Por Ivan Bursztyn, Daniel Soeiro e Simone Saviolo

A Rocinha ocupa, há bastante tempo, um espaço no imaginário popular; sua grandiosidade, sua localização privilegiada e seu dinamismo econômico são aspectos que fazem desta uma das favelas mais conhecidas no Brasil e no estrangeiro.

Agora, além conhecê-la pelos noticiários, as pessoas podem passear por suas ruas e vielas, sem medo, principalmente os turistas estrangeiros, que chegam ao Rio de Janeiro interessados nas famosas favelas brasileiras. As agências de turismo detectaram, há algum tempo, esse interesse e procuraram formas de apresentar a favela ao turista, o que não é uma coisa simples, já que, numa favela, os códigos de conduta e institucionalidades são bem diferentes das que estamos acostumados.

Na Rocinha, existem algumas agências operando, através de passeios de veículos ou a pé. Neste artigo, conheceremos um pouco deste trabalho, em especial o desenvolvido por Rejane Reis, que possibilita a menores da favela uma oportunidade de trabalho e educação.

Para melhor compreensão, colocamos um pequeno histórico do processo de favelização no Rio de Janeiro, bem como um panorama atual da Rocinha, que já deixou de ser uma favela e pode ser considerada um bairro, como o próprio IBGE a considera.

Favelização na cidade do Rio de Janeiro

Algumas causas fundamentais do processo de favelização da cidade do Rio de Janeiro foram a busca de proximidade com o mercado de subsistência e a redução de tempo de deslocamento, apesar da densidade e insalubridade destas novas moradias.

A pobreza do Rio absorveu sucessivas levas de imigrantes. O Rio foi, no século XIX e décadas iniciais do XX, o principal ponto de destino para o fluxo migratório portugês. Este aporte esmaeceu nos anos 50, porém, antes disso, recebeu importantes correntes migratórias internas, de Minas Gerais e principalmente do Nordeste. Além disso, o Rio recebeu alguma transumância da própria Província Fluminense.

É fácil compreender as razões pelas quais a metrópole atrai a pobreza. Oferece uma convivência socializada, abre magicamente a "loteria da vida" e, apesar de toda precariedade, eleva o padrão de bem-estar e acessabilidade aos serviços sociais.

É forte a tendência à reprodução familiar da pobreza, através das gerações. É altíssima a probabilidade do filho do pobre permanecer pobre e "herdar" a brecha de subsistência paterna. A distribuição socioespacial da população do Rio atravessou uma grande transformação no final do século XIX. Os ricos deslocaram-se dos altos para a orla marítima. As frações de pobreza ligadas à logística da cidade permaneceram nos prédios degradados do Centro.

Ao longo do século XX, a pobreza do Rio distribuiu-se pelos novos cortiços, pelos loteamentos improvisados nos eixos dos subúrbios e pelas favelas nas encostas dos morros e zonas inundáveis. De um início discreto, a favela impôs sua presença efetiva no espaço urbano e no imaginário do Rio de Janeiro, a partir do anos 20.

Nos anos 40, intensificou-se o favelamento nas zonas Sul e Norte da cidade. A Zona Sul tinha dez favelas em 1942. Oito anos depois, eram 25 favelas, com 40 mil pessoas; no Rio existiam 113 comunidades. No início dos anos 60, eram conhecidas 147 favelas no Rio, onde viviam 337.400 habitante.

Fonte: Carlos Lessa, O Rio de todos os Brasis(cap. 9), Record, 2000.

A Rocinha hoje

A favela da Rocinha situa-se na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e possui cerca de 200.000 habitantes, em uma área de 700.000 metros quadrados.

Histórias contadas através de livros e depoimentos de pessoas que residiram e residem na Rocinha narram que a comunidade recebeu seus primeiros habitantes, logo após a II Guerra Mundial, vindos de Portugal, França e Itália. Eles viviam, basicamente, da agricultura, possuíam pequenas roças e vendiam suas produções no povoado vizinho (Gávea). Daí surgiu o nome: Rocinha.

As casas de madeira dos primeiros imigrantes nordestinos da década de 40 e 50 foram substituídas, com o tempo, por outras de alvenaria, existindo atualmente numerosos prédios de até 7 andares, geralmente divididos em pequenos quartos de aluguel. Há poucas vias de acesso de veículos, predominando um labirinto de vielas e becos, por onde circula a população. Cerca de 60% das casas possuem água encanada, sendo que apenas 20% delas estão ligadas à rede pública de esgoto. A quase totalidade das habitações possue luz elétrica, geralmente através de conexões clandestinas.

Na década de 70, surgiram discussões de grupos organizados, visando o desenvolvimento social da comunidade. Foram reivindicados perante o poder público: saúde, educação, água, luz e saneamento básico. A água e a luz chegaram em algumas residências. Na década de 80, surgem as escolas, creches e centros comunitários. Foi, então, implantado o Centro de Saúde, o Núcleo da CEDAE e a Região Administrativa.

Através da Lei 1995 de 18 de julho de 1993, a Rocinha foi transformada em bairro e, a partir daí, grandes investimentos e empreendimentos começaram a compor este universo de hoje.

Possui um comércio muito diversificado, ocupando a parte mais baixa, como a Via Ápia ou o Largo do Boiadeiro. O morador não precisa sair do bairro para comprar o que precisa, desde um botão de roupas até móveis. No alto do morro vê-se São Conrado e do outro lado a Lagoa e o Morro do Corcovado, onde fica o Cristo Redentor. Quem conhece o Rio pode afirmar ser esta uma das vistas mais bonitas.

Apesar das dificuldades, os moradores estão organizados em centros comunitários, clubes e associações não governamentais.

Em resumo, segundo Associação Comercial da Rocinha, a comunidade possui:

  • 200 mil habitantes;
  • 2.500 estabelecimentos comerciais cadastrados;
  • 2 linhas de ônibus trafegando internamente;
  • 2 bancos (Caixa Econômica e BANERJ);
  • 2 rádios comunitárias (Katana e Rocinha);
  • 3 casas de shows (Clube Emoções, O Varandão e Clube Umuarama);
  • 1 Escola de Samba (Acadêmicos da Rocinha - no grupo especial);
  • 1 Região Administrativa do Município;
  • 4 Escolas Municipais;
  • 1 Agência de Correios;
  • 3 jornais comunitários (Correio da Zona Sul, O Katana, O Noticiário);
  • 2 Postos de Saúde (1 da Associação de Moradores; outro, do Município);
  • 1 Escola de Futsal;
  • 2 supermercados;
  • 1 Empresa de ônibus sediada no local;
  • 2 laboratórios fotográficos (Deplá e Fuji);
  • 1 TV a cabo - TC ROC (www.rocinha.com.br).

Links:
TC ROC http://www.rocinha.com.br
Acadêmicos da Rocinha http://www.artes.com/rocinha/indescola.htm

Turismo na Rocinha

O interesse dos estrangeiros pela vida nas favelas cariocas levou agências e guias a se especializarem nesse tipo de turismo. A Rocinha, na Zona Sul, e a Mangueira, na Zona Norte, costumam ser as mais visitadas. O turista é quase sempre estrangeiro. "Brasileiro não visita favela", diz Rejane Reis, da Exotic Tours, que opera na Rocinha há quase dez anos. Há outras agências que incluem a Rocinha nos passeios oferecidos: a Favela Tours e a JeepTours.

A Rocinha entrou, definitivamente, no roteiro turístico do Rio de Janeiro. Ela já recebe 2.000 visitantes estrangeiros por mês e possui o primeiro posto de atendimento ao turista em favela. Uma comissão formada por agentes de turismo e lideranças comunitárias locais selecionou 19 estabelecimentos aptos a receber turistas. Entre eles, há uma adega, três restaurantes e sete lojas de confecção.

O posto de atendimento ao turista foi montado na saída do túnel Lagoa-Barra, ao lado da escola de samba Acadêmicos da Rocinha e do Hotel São Conrado Palace. O hotel está abandonado há sete anos e foi comprado pela prefeitura do Rio para instalação de creche, posto de saúde e cursos de formação de mão-de-obra. O posto funcionará também como centro de exposição e venda de artesanato produzido na favela.

A Rocinha participou do roteiro do chamado turismo alternativo para estrangeiros em 1992, durante o encontro mundial sobre ecologia, Eco-92. Na ocasião, foram feitas as primeiras experiências de visitas organizadas à favela. Antes disso, turistas já subiam o morro, levados por guias ''''''''''''''''free-lancer'''''''''''''''', mas em passeios improvisados.

A segurança não é apontada como problema. ''''''''''''''''Nunca presenciamos assalto durante as excursões'''''''''''''''', assegura Bela Seabra Pinto, proprietária da JeepTours. Ela conta que os europeus ,sobretudo os escandinavos, são os mais interessados em conhecer as favelas: ''''''''''''''''Eles chegam curiosos, excitados e, ao mesmo tempo, tensos, porque imaginam que irão se deparar com muito sofrimento e desgraça. No final, saem felizes com o que viram'''''''''''''''', afirma a empresária.

Links:
www.jeeptour.com.br
www.favelatour.com.br
www.exotictours.com.br

Oficina de turismo

Antes de montar a oficina para guias turísticos mirins na Rocinha, Rejane Reis, que é guia turística e moradora das proximidades, há alguns anos já percorria as ruas e vielas da favela, guiando grupos de turistas. Isso despertou sua atenção para a possibilidade de se oferecer uma alternativa para as crianças que ela encontrava nessas visitas: "Enquanto guiava as pessoas com as excursões, um grande número de crianças seguia-me para pedir dinheiro. Foi então, que eu tive a idéia de lhes ensinar um pouco da minha profissão."

Rejane nos disse que uma das preocupações dela sempre foi a de mudar essa mentalidade das pessoas, em geral, e das crianças, em particular, de ver o turista e achar que ele tem a obrigação de dar alguma esmola. Por isso, incentivou as pessoas que iam até ela a oferecerem algum produto ou serviço, seja artesanato ou uma melhor apresentação do seu estabelecimento.

Conseqüentemente, estabeleceu uma relação mais confiável com a comunidade, pois esta se sentiu retribuída por abrir suas intimidades a pessoas tão diferentes, principalmente considerando a complicada situação social e econômica em que se vê inserida, além de recuperar um pouco sua mais que combalida auto-estima, ao ver os turistas, que poderiam estar visitando tantas atrações desta cidade, subirem e descerem as ladeiras com suas máquinas em punho.

"Cerca de 90% dos turistas que chegam ao Rio sabem que, na cidade, existem muitas favelas e muitos deles querem ver de perto como é a vida dentro dessas comunidades. Para quem mora no local, é muito mais fácil mostrar o que há de interessante. O curso abre o horizonte profissional da garotada, que pode fazer este trabalho por agências ou guias de fora da Rocinha.", explica Rejane, que limita a participação no curso a adolescentes com mais de 14 anos e que estejam estudando.

A oficina consiste nas aulas teóricas de português, geografia, inglês e espanhol, com professores que puderam ser contratados a partir do apoio dado pelo SEBRAE/Proder, além de aulas especificamente ligadas ao trato com o turista, ministradas pela própria Rejane. São feitos passeios com os alunos pelos pontos turísticos da cidade, como o Corcovado, para que estes não só conheçam melhor sua cidade, como saber o que os turistas costumam visitar aqui.

Assim que o aluno começa a se mostrar preparado, é chamado a participar dos passeios oferecidos pela Exotic Tours, que, de acordo com o número de turistas, conta com alunos mais experientes, além do guia da agência. Ali ele pode pôr em prática o que aprendeu nas aulas, além de ganhar uma ajuda de custo, que é uma forma de recompensar seu esforço e remunerar seu trabalho. Cada guia recebe R$ 10 por passeio. É sempre um guia para cada dois turistas: "Estabelecemos essa proporção para que todos tenham oportunidade de ganhar", diz Rejane.

A oficina já formou duas turmas e a duração do curso é de quatro messes. Atualmente, Rejane está dando aulas também em Vila Canoas, uma comunidade bem menor que a Rocinha, localizada em São Conrado. "Ainda não é um curso profissionalizante como o da Rocinha, onde temos apoio para contratar professores. Aqui passo noções sobre a forma de conduta de um guia.", diz Rejane, que contou que os alunos são tão tímidos ao começarem o curso, que precisa até ensiná-los a sorrir.



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