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quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Trabalho da Ong - Claudinho (Responsabilidade Social)

Tema geral

Promover as atividades artísticas, culturais e sociais para moradores de vilas e favelas contribuindo para inserção cultural, a construção de cidadania e a melhoria de qualidade de vida.


Objetivo Geral

  • Ampliar a divulgação do trabalho dos artistas das favelas de Belo Horizonte – MG


Objetivos Específicos

  • Inserir a população das vilas e favelas na sociedade e no meio cultural
  • Divulgar a arte e cultura da periferia para construção de uma cidadania
  • Contribuir para redução da discriminação e da violência nas vilas e favelas
  • Colaborar para geração de renda na capital mineira

FFavela é Isso Aí

A ONG (Organização não gorvenamental) “Favela é Isso Aí” baseou-se em um Guia Cultural de Vilas e Favelas idealizado por Clarisse Libânio, uma antropóloga com intuito de elevação à auto-estima, inclusão social e combate a violência.

É de grande importância à divulgação das manifestações culturais ocorridas nas vilas e favelas, pois formam opções de socialização, participação e construção da cidadania e assim gerando nesta população da periferia uma melhor auto-estima e reconhecimento contando assim com maior incentivo à produção artística.

Os artistas da comunidade enfrentam alguns obstáculos para execução de produções artísticas, tais como: condições de trabalho, espaços, comercialização, divulgação e entre outros. Estas barreiras em grande parte derivam do preconceito a periferia que já é intitulada pela marginalização e violência.

Por conseqüência destes preconceitos é que foi criada “Favela é Isso Aí” dando oportunidade em atividades, como documentário e videoclipe para artistas da favela da capital mineira, além de disponibilizar o site da associação com o objetivo de extensão de manifestação.

Descrição das atividades

As atividades desta ONG baseiam-se na divulgação dos trabalhos de cunho artístico dos moradores das vilas e favelas de Belo Horizonte, além de manter projetos de comunicação popular e cultural.

Público Alvo: Moradores de vilas e favelas de Belo Horizonte, principalmente jovens.

Números de atendimentos

Mais de 4.000 grupos e artistas só no primeiro projeto.

Fontes Financeiras

Física: Não houve nenhum caso até hoje.

Jurídica: de acordo com a Lei de incentivo à cultura

*Patrocínios: - Telemig Celular

- Telemar

- Cemig


Relação com outras organizações/relação com o Estado

A relação da Ong Favela é Isso Aí com outras Ongs pode ser observada pelos seus objetivos. Todas as organizações não governamentais possuem o mesmo objetivo e se complementam entre si em busca do mesmo - promover a atividade artística e cultural como forma de construção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.

Já a relação com o estado se dá através do fornecimento pelo mesmo de leis de incentivo à cultura. Com isso as empresas apoiadoras das Ongs têm descontos de impostos – ISS na Lei Municipal, ICMS na Estadual e Imposto de Renda, no caso da Lei Federal e do FIA – Fundo da Infância e Adolescência.

O que dificulta para as organizações neste caso é a descontinuidade, já que não há garantia de aprovação dos projetos e captação de recursos. A própria Favela é Isso Aí sofreu com isso, passou por paralisação em suas atividades por quase seis meses por falta de recursos financeiros e somente agora ao final de 2007 retomou e ampliou suas atividades, através da implantação do Centro de Referência em Cultura Popular Urbana.

A busca por parcerias financeiras duradouras com os poderes públicos e iniciativa privada é a alternativa procurada por todas as Ongs no mundo.

É pertinente considerar que o Terceiro setor tem ganhado forças nos dias de hoje através de tentativas para solucionar diversos problemas sociais, assim contribuindo para uma gestão pública de qualidade, em várias áreas, mas ainda falta reconhecimento público, parcerias e garantia dos recursos indispensáveis à sua sobrevivência.

Para que isso se resolva é necessário um interesse coletivo de governo, empresas e sociedade civil para que seja possível viabilizar a continuidade dos trabalhos e assim ir a busca de uma vida melhor para as comunidades e públicos atendidos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Papel Social

Trata-se de promover a arte e cultura dos cidadãos que residem na periferia de Belo Horizonte, com o intuito de realizar a divulgação das mesmas que possuem talentos, e que não é reconhecido, este é o papel social do projeto Favela é isso aí.

Promoção da Cidadania

Um dos projetos de maior destaque é a Favela Noticias agência de comunicação popular que vem atuando na divulgação dos trabalhos artísticos das vilas e favelas, através de jornal impresso em parceria com a Gráfica e Editora O Lutador. Há também o boletim quinzenal e a assessoria de imprensa para eventos e grupos culturais, com pautas enviadas para os principais veículos estaduais.

Também muito importante é o Projeto Prosa e Poesia no Morro, que conta com a parceria da Lei Municipal de Incentivo à cultura, do SERASA, do Banco do Nordeste e da Gráfica e Editora O Lutador. Através desta parceria, está sendo editada uma coleção de cinco volumes com a produção literária das artistas da periferia.

Entre os projetos já aprovados a serem executados no futuro, estão a gravação de um CD coletânea com as bandas locais, a realização de programas para as rádios comunitárias, a oferta de oficinas de capacitação em novas tecnologias e a implantação de um estúdio comunitário para os artistas da periferia.

A ONG Favela é Isso aí está desempenhando um papel muito importante nas vilas e favelas, pois além de promover a inclusão social e a cidadania, está melhorando a qualidade de vida dos jovens de classe pobre nas periferias da cidade.

Perspectiva de mudanças

A Ong tem como perspectivas futuras uma gravação de um CD com uma coletânea com as bandas da comunidade, a realização de programas voltada para rádio comunitária, oficinas de capacitação em tecnologia e um estúdio para artistas locais.

Reforma ou Revolução

Esta ONG trata-se de uma reforma, e para ser mais específica uma reforma social. Ainda não se tem poder ou domínio para que se torne uma revolução, e quando isso ocorrer será inevitável e sem passividade.

Os artistas das vilas e favelas enfrentavam barreiras ocasionadas pelo preconceito e estavam desmotivados a seguirem seus trabalhos por serem titulados pela sociedade como marginais. A falta de bens matérias, espaços para ensaios e difícil acesso à mídia era o que mais dificultavam a concretização desses sonhos. Por conseqüência disto, do preconceito e com o intuito de uma inclusão social e combate à violência, perceberam que seria necessária uma reforma social e com isso foi criada a ONG “Favela é Isso Aí”. Nesta, foram possibilitados meios para que fossem realizadas diversas manifestações como uma forma de mudar essa atual situação, porém esta condição ainda ocorre em muitas periferias de todo o Brasil. Foram criadas agencias de notícias das favelas com pautas e matérias feitas pelos próprios moradores e estas serão distribuídas para as redações de jornais das cidades, serão vinculadas pelo site do projeto e rádios comunitárias de Belo Horizonte.


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Segmento de pessoas com deficiência tem potencial de consumo de R$ 1 bilhão

O turismo de pessoas com deficiência no Brasil está praticamente restrito àqueles que têm dinheiro para pagar hotéis caros. O país é carente de equipamentos acessíveis e de espaços inclusivos. Sobre o tema falam os consultores Andrea Schwarz e Jaques Haber

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que há 24,6 milhões de pessoas, ou 14,5% dos brasileiros, com pelo menos um tipo de deficiência. Essa parcela da população, levando em consideração que se relaciona, em média, com pelo menos outras duas pessoas (pai e mãe, marido ou mulher ou um filho, por exemplo), representa um público com potencial de consumo de 1 bilhão de reais ao ano. O dado foi apresentado pela fonoaudióloga Andrea Schwarz e seu marido, Jaques Haber durante o Workshop Tour 2007 – Rumos do Turismo no Brasil, realizado em São Paulo no último dia 8. O casal é sócio na consultoria I.social.

Embora a cifra impressione, esse ainda é um montante que segue adormecido nos bolsos de um público carente de poder viver de forma independente. "Hoje, no Brasil, para uma pessoa com deficiência viajar, ela precisa ter dinheiro; do contrário, não consegue hospedagem", afirma Andrea, que há dez anos passou a usar cadeira de rodas e desde então se especializou em questões relativas a acessibilidade e inclusão.

É grande a lista de experiências que a consultora e o marido já viveram por causa da falta de acessibilidade nos locais turísticos. As histórias vão desde uma ocorrida em pousada na Serra da Canastra, onde o batente da porta do quarto teve de ser aberto com uma marreta para que a cadeira de Andrea passasse, até as diversas tentativas de ir ao banheiro em diferentes estabelecimentos na cidade de Paris. “Os lugares eram tão apertados que a cadeira não chegava até o toalete”, relembra ela, com bom humor.

Essas são situações que indicam a hostilidade do meio em acolher as pessoas com deficiência e estão presentes no dia-a-dia de quem não enxerga, usa de auxílio técnico para se locomover, não ouve ou tem dificuldades de cognição, caso das pessoas com deficiência intelectual (nomenclatura mais recente para a deficiência mental). Aliás, quando se trata de terminologia, o segmento de pessoas com deficiência é nomeado de várias formas: pessoas com necessidades especiais, portadores de necessidades especiais, doentes, entre outros. “Não se trata de doença nem de ser especial”, explica Andréa. “Necessidades especiais abrangem um público mais amplo, como idosos e gestantes. O termo correto é pessoa com deficiência”, explica.

A questão da acessibilidade muda de acordo com o tipo de deficiência. “Cada uma tem suas necessidades específicas”, diz. No caso dos cegos e das pessoas com baixa visão, o que deve ser levado em consideração ao tornar um ambiente acessível é a necessidade de orientação, dada a partir de placas em braille e piso tátil, por exemplo. Quando se trata de pessoas com deficiência física, o principal desafio é a locomoção – assim, é preciso atentar para medidas que facilitem a circulação, como rampas, guias rebaixadas, portas mais largas para que passe uma cadeira de rodas, como alguns exemplos. É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.

Se o cliente de um empreendimento de turismo for uma pessoa com deficiência auditiva, Andrea dá uma dica simples: procure falar de frente para a pessoa para que ela possa fazer a leitura labial. “Não é necessário gritar”, recomenda a consultora, que aproveita para destacar que são poucas as pessoas falantes que dominam a Língua Brasileira dos Sinais (Libras). No caso das pessoas com deficiência intelectual, a dificuldade é de cognição. "Não é necessário tratá-las como crianças", reforça Andrea.

A carência de lugares acessíveis impede a livre circulação dessa parcela da população e daqueles que convivem diretamente com ela. Andrea e Jaques contam que gostam muito de viajar, mas que há dificuldade em freqüentar pousadas. O que acontece é que turismo acaba sendo uma atividade restrita às pessoas com deficiência que têm dinheiro e podem pagar caro por diárias em hotéis de padrão internacional, que seguem as normas de acessibilidade.

Um exemplo citado pela consultora é o do Litoral Norte de São Paulo. Segundo ela, a região é extremamente carente de pousadas adequadas para receber pessoas com deficiência. Além das alterações físicas necessárias e que seguem os padrões da ABNT (NBR 9050), baseados no conceito de desenho universal, ou seja, um lugar para todos, há a questão do atendimento. Esta, por sua vez, não se limita apenas ao litoral paulista. “O importante no atendimento é agir com naturalidade e bom senso”, ressalta Andrea.

Os funcionários devem estar qualificados para prestar ajuda, mas não é paternalismo. “Também não é necessário o serviço dos bombeiros”, brinca, ao contar que, ao chegar a um local para dar uma palestra, três bombeiros vieram “socorrê-la” na saída do carro. Eles haviam sido avisados de que uma pessoa com deficiência física estava chegando. Apesar da boa vontade, foram inábeis, já que ela e o marido estão acostumados a descer do carro, montar a cadeira e sair andando.

Situações como essa e a de perguntas inadequadas podem ser evitadas com qualificação profissional. “O treinamento também é muito importante porque, familiarizado com as questões relacionadas à deficiência, o funcionário pode dar boas dicas de lazer, sabe como e quando auxiliar”, explica a fonoaudióloga ao revelar que esse atendimento pode ser um diferencial do estabelecimento, permitindo a ampliação das oportunidades de negócios.

Seu sócio e marido, Jaques Haber, destaca ainda que os benefícios de um estabelecimento acessível vão além do diferencial e incluem o fortalecimento da imagem institucional, a boa impressão que causa a todos os clientes, o atendimento à legislação e a contribuição para a inclusão social. (INÊS FIGUEIRÓ)

O valor da floresta intocada

Andreia Fanzeres

14.11.2007

Duas renomadas revistas científicas publicarão em suas próximas edições estudos que são um balde de água fria para quem acha que plantar árvores desesperadamente é a única saída para retomar o equilíbrio dos recursos naturais no planeta. Os trabalhos alertam para a urgência de pesquisas mais eficientes sobre a biodiversidade das florestas tropicais e defendem a manutenção de matas primárias, revelando que sua contribuição para a humanidade vai muito além da preocupação de ser um estoque de carbono. Por outro lado, constatou-se que o estudo minucioso destas florestas virgens, embora ideal, é caro, demorado e as medidas de conservação não podem depender destes resultados.

Liderados pelo pesquisador brasileiro Carlos Peres, os estudos foram realizados com equipes da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, e do Museu Emílio Goeldi, em Belém. Na região do Jarí, no norte paraense, desenvolveram um amplo experimento sobre conservação da biodiversidade de florestas primárias, secundárias e replantadas com espécies exóticas de rápido crescimento, como o eucalipto. Os pesquisadores escolheram cinco áreas de cada tipo de floresta para compararem seus padrões de biodiversidade. Em pesquisas de campo e laboratório, eles coletaram informações sobre a distribuição de 15 grupos diferentes de animais e plantas. A intenção foi entender as conseqüências das mudanças no uso do solo para o maior número de espécies possível.

Os resultados, a serem publicados na Proceedings of National Academy of Science (PNAS), mostram que pelo menos um quarto de todas as espécies pesquisadas não foram encontradas em outro local senão nas florestas primárias. No caso de aves e árvores, a porcentagem de espécies restritas a essas áreas chegou a 60%. Um sinal de que algumas zonas de fronteiras de desmatamento na América do Sul e no Sudeste Asiático dificilmente serão repovoadas por grande parte das espécies.

Fica claro, portanto, como são preciosas as florestas intocadas para conservação da biodiversidade. Assim como o valor adjacente que as matas secundárias e culturas arbóreas oferecem a espécies que jamais poderiam sobreviver em ambientes destruídos por pastagens ou monocultura de grãos. Também observou-se quão limitadas são as expectativas de solução dos problemas ambientais através de vultosos investimentos nos plantios de árvores que crescem rápido o suficiente para capturarem carbono numa escala desejada.

Segundo o estudo, além de serem habitat para mais da metade das espécies terrestres do mundo, as florestas primárias são muito mais eficientes para estocar carbono do que os plantios de eucalipto. Para Carlos Peres, antes salvar as florestas primárias, pois assim é possível dar mais valor tanto à biodiversidade quanto às suas qualidades no seqüestro de gases.

Os custos da conservação

Embora o estudo sirva de argumento a mais incentivos para a conservação dos remanescentes de florestas primárias, outra pesquisa mostra o quão desafiadora ainda é a tarefa de conhecer adequadamente a natureza. O artigo, que será publicado em edição da revista Ecology Letters e assinado pelas mesmas instituições, mostra pela primeira vez quanto custa estudar o meio ambiente em uma das áreas mais biodiversas do planeta.

Mais de 90% de todas as espécies do mundo ainda não estão catalogadas. Mas num esforço técnico gigantesco, os pesquisadores de East Anglia e do Museu Goeldi identificaram em seus sítios de estudos na Amazônia mais de 60 mil indivíduos e 1.300 espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios, insetos e plantas, muitos dos quais novos para a ciência. Eles quantificaram quanto tudo isso lhes custou, desde o preço das armadilhas para capturar sapos até o salário dos especialistas.

A iniciativa serviu para mensurar e relativizar os valores da ciência para transformar os investimentos em conservação em ativos mais bem aplicados. Na Amazônia brasileira, por exemplo, o dinheiro necessário para estudar pequenos mamíferos ou moscas e abelhas pode ultrapassar de dez a 100 vezes o custo inicial estimado. De acordo com a pesquisa, essas diferenças não aparecem apenas nos custos, mas também nas respostas obtidas em tais investidas científicas. Segundo declarou Peres, não é possível pesquisar tudo numa floresta, então é preciso treinamento para saber identificar espécies que são particularmente sensíveis às transformações ambientais, e que possam servir de indicadores de mudanças nas florestas como um todo.

Os estudos demonstraram que duas perguntas básicas devem ser sempre perseguidas para que os cientistas desenvolvam trabalhos cada vez mais eficazes: quais são as espécies mais sensíveis às alterações antrópicas e quais são passíveis de boas pesquisas com o mínimo de dinheiro. Segundo os cientistas, a combinação dessas respostas pode mostrar quais são os grupos ideais para avaliar o impacto humano na Amazônia. Trata-se de uma estratégia mais realista diante do pouco tempo e do imenso trabalho para se estudar a biodiversidade, uma chance para aprimorar com mais velocidade o entendimento científico das florestas tropicais.


O limite do Pantanal

Juliana Michaela*

14.11.2007

O governo de Mato Grosso entrou na reta final para aprovar um projeto de lei que promete mudar a política de gestão e os próprios limites do que hoje se conhece como Pantanal. Nesta segunda-feira, aconteceu em Cuiabá a quarta e última audiência pública para discutir o texto final, que deve entrar em votação na Assembléia Legislativa, segundo informou o núcleo de estudos ambientais da casa. Na ocasião, poucos ambientalistas e pesquisadores contribuíram na definição de novos critérios de uso do território. Quem compareceu em peso foram políticos e representantes do setor produtivo.

Os debates se basearam em dois substitutivos integrais elaborados pelo Grupo de Trabalho do Pantanal da Assembléia, formado por entidades ambientalistas, comunidades tradicionais, pecuaristas, entre outros. Nas reuniões anteriores, a expectativa era de que o grupo chegasse a um consenso. Mas durante as cinco horas de audiência, as divergências entre governo, pecuaristas e ambientalistas ficaram claras.

Para se ter uma idéia, até o título do texto gerou polêmica. A apresentação do projeto que “dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências”, induz à idéia de que toda a bacia formadora do Pantanal será regida por uma nova política. Mas não. Tanto ambientalistas quanto o setor produtivo questionaram o fato de que em nenhum momento a lei trata das áreas de nascentes e do planalto. O foco foi dado às áreas de inundação, ou seja, a planície pantaneira. Isso ficou estampado nas disposições iniciais da lei. “Os limites do Pantanal em Mato Grosso devem ser entendidos nesse caso como delimitadores de ações específicas na planície alagável”, diz o texto.

Alonso Batista dos Santos, representante da Sociedade de Promoção dos Direitos Humanos em Cáceres (MT), criticou o projeto por não contemplar a região do Alto Paraguai. “A lei não abrange todo o Pantanal. O que pudemos observar é uma visão para facilitar o plantio de cana, soja e outros produtos do agronegócio que estão em voga, pois não querem perder o título de campeão de grãos”, reclama.

O descontentamento de Alonso tem lógica. Por causa desse enfoque na lei, continuam permitidas diversas atividades que causam danos aos rios do Pantanal, uma vez que elas não se localizam na área inundável, mas sim em seu entorno. De acordo com a lei, a planície alagável não admite criadouros de espécies de fauna exóticas à bacia hidrográfica, implantação de projetos agrícolas, com exceção daqueles de subsistência, construção de diques, barragens e obras de alteração dos cursos d’água, assentamentos rurais, usinas de álcool e açúcar, carvoarias e atividades de médio e alto graus de poluição ou degradação.

Novas considerações

Uma novidade na lei é a criação das “áreas de conservação permanente”, o que inclui campos inundáveis, corixos, meandros dos rios, baías e lagoas marginais, além das cordilheiras. Elas passam a ser consideradas áreas restritas, mas passíveis de uso, diferentemente das áreas de preservação permanente (APPs). Nos campos inundáveis, por exemplo, será possível obter autorização para construção de estradas para acessos às fazendas, desde que não interfiram no fluxo natural das águas. De acordo com o projeto de lei, a retirada parcial da vegetação nativa nessas áreas de conservação permanente poderá ser realizada com licenciamento estadual.

Para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), esta foi uma saída para incentivar a legalidade. “Não podemos colocar tudo como área de preservação permanente, senão toda a ocupação no Pantanal de Mato Grosso seria ilegal. Temos atividade pecuária e turística que são compatíveis com o Pantanal e devem ser usadas de forma sustentável”, defende a coordenadora de ecossistemas da Sema, Gabriela Priante.

Como um dos pontos cruciais para o Pantanal é discutir as regras para o estabelecimento da pecuária, o setor produtivo pressionou e conseguiu incluir no texto que a supressão de vegetação para limpeza de pastagem fica permitida para dez espécies, e não apenas três como vigora atualmente. Mas não é tão simples assim. Para Gabriela, só há condições de regulamentar essa limpeza após estudos capazes de comprovar que a retirada dessas espécies não causará danos ao meio ambiente. “Na audiência o setor produtivo falou que todas essas espécies estavam presentes num livro da Embrapa sobre espécies invasoras, mas só quatro delas são citadas na publicação”, diz. “Não sentimos segurança em liberar a limpeza das outras espécies”, ressaltou a coordenadora, que neste quesito foi voto vencido.

O texto considera ainda que as faixas marginais, áreas de preservação permanente (APPs), terão como referencial o nível mais baixo dos rios (período da seca) e demais cursos d’água. A servidora da Sema, Helen Farias, explica que se o nível mais baixo dos rios não fosse considerado, nenhum hotel conseguiria ser licenciado. “Tenho uma pilha de pedidos para licenciar os hotéis, mas como a lei prevê o nível mais alto, eles estão irregulares”, diz ela.

Ninguém está feliz

Pecuarista do Pantanal de Mato Grosso, Vicente Falcão destacou que a lei trouxe mais deveres ao produtor. “Ele tem a obrigação de fazer licenciamento ambiental e isso gera um custo operacional. Não existe um chamamento do governo ou incentivo fiscal, principalmente no Pantanal, onde não é possível criar gado como nas outras áreas e temos uma rentabilidade menor”, diz ele. O que seria uma prerrogativa a qualquer atividade econômica, ficou evidente nesta lei, ao determinar que “o licenciamento ambiental e obrigatório para qualquer atividade econômica desenvolvida nas áreas localizada na Bacia hidrográfica do Alto Paraguai, exceto para atividades de agricultura familiar”, diz o texto.

O representante do setor de recursos hídricos do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) em Cáceres, Izidoro Salomão, resumiu que o projeto de lei ainda não é o que a entidades ambientais desejam. “As reuniões não foram suficientes e tiveram participação de poucas pessoas. Gostaríamos que a questão fosse mais debatida”, diz. “A navegação motorizada no Pantanal é prejudicial, temos que fazer uma rigorosa regulamentação, mas não está presente nessa lei e nem entrou em discussão”, salienta Salomão. Sobre esse assunto, o projeto traz em duas linhas que “a navegação comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve ser compatibilizada com a conservação e preservação do meio ambiente, buscando a manutenção da diversidade biológica e recursos hídricos”.

Segundo a nova lei, a Sema fica obrigada a elaborar e concluir os planos de manejo para suas áreas protegidas no Pantanal no prazo de cinco anos, exatamente como consta na lei federal que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Também está previsto promover no prazo máximo de cinco anos ações com finalidade de implantar sistema de esgoto nas cidades que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como nas que fazem parte de seu entorno e que tenham impacto na referida bacia.

O encanto perdido


Quando se pensa em lugares propícios ao turismo no Brasil, certamente um dos primeiros que vem à cabeça é a Chapada Diamantina, no centro da Bahia. Rodeada por montanhas com vegetação de caatinga e berço da maioria dos rios das bacias do Paraguaçu, Jacuípe e Contas, a região também é famosa pela variedade de grutas. Contudo, a principal delas, chamada Poço Encantado, está com as portas fechadas para visitação desde o dia 6 de novembro, quando o Centro de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav), do Ibama, fez uma vistoria e constatou irregularidades no uso da atração. O autor das infrações, ironicamente, é o conhecido guardião do local, Miguel Jesus da Mota, que atua como guia na área há quase 30 anos. Ele foi multado em 50 mil reais. O motivo: construiu uma escadaria com 108 degraus de areia e cimento sem a licença prévia do Ibama.

A operação foi organizada pelo analista ambiental Wanderley Rosa Matos, chefe do escritório regional do Ibama em Seabra e coordenador do Cecav Núcleo Bahia. De acordo com ele, no final dos anos 90, o órgão ambiental percebeu que era necessário criar uma legislação própria para regulamentar as visitas nas cavernas naquela região. Foi assim que no dia 23 de fevereiro de 2001 o Ibama anunciou a sua Portaria n º 015, cuja pretensão era colocar ordem diante do “descontrolado uso turístico e o avanço da degradação ambiental nas cavidades naturais subterrâneas da Chapada Diamantina (...)”. Entre as promessas, estava a elaboração, pelo Cecav, de um plano de manejo para o Poço Encantado dentro de doze meses. Segundo o parágrafo 1º do artigo 9 º da norma, o projeto piloto deveria servir como referência para as outras grutas do Brasil. Quase sete anos depois, ele ainda não está pronto. “Mas vai ficar daqui a um ou dois meses”, garante Matos.

Mesmo sem o plano concluído, a construção de degraus para facilitar o acesso ao poço sem autorização do órgão licenciador é irregular. “O Miguel é humilde e não observou a legislação. Preocupado com os turistas, construiu uma escadaria de cimento. Essa obra teve impacto e chegou a quebrar alguns espeleotemas [formações minerais dentro da gruta]”, conta o servidor do Ibama.

A preocupação com o acesso foi exatamente a explicação de Miguel para sua obra. Acostumado a guiar até o interior da caverna grupos de dez pessoas, incluindo um grande número de idosos, ele já havia presenciado dois acidentes com visitantes. “O Poço Encantado tem uma trilha bem ruim para descer até as águas. Só possui cordas como corrimão”, diz. No dia 6 de setembro desse ano, um novo incidente resultou em um pé quebrado para um turista e uma idéia na cabeça do guia: construir degraus para facilitar a caminhada. “Não chega a ser sequer uma escadaria', defende. Há, ainda, um outro motivo para a obra, lembrado por Raimundo Brito Mota, filho de Miguel e recepcionista da gruta. “Também quisemos evitar a erosão causada pelas pegadas dos visitantes. Como sabemos que o plano de manejo ainda vai demorar, decidimos fazer os degraus”, explica.

O problema é que eles não informaram ao Cecav a idéia de mudar a infra-estrutura do local, o que culminou com a inspeção no dia 6 desse mês. O Poço Encantado fica a 50 quilômetros do Parque Nacional da Chapada Diamantina, cujo chefe, César Gonçalves, foi chamado pelo escritório de Seabra para ajudar na operação. Segundo ele, a atitude de Miguel não tem desculpa. “Independente dele ser bom guardião, já tinha sido advertido uma vez por ter colocado um tipo de iluminação na caverna sem autorização”, lembra. Segundo o guia, painéis para captar luz solar foram usados e logo depois retirados, seguindo ordem do Ibama.

Falta de informação


Brigas à parte, o Poço Encantado chega a receber até 15 mil turistas em um ano. Dono de águas azuis cristalinas com 60 metros de profundidade, ele é reconhecido como um dos monumentos naturais de maior beleza no país. Mesmo assim, não fica dentro de uma área protegida, mas no interior da propriedade de Miguel Jesus da Mota. Como o próprio faz questão de lembrar, a gruta é da União, apesar de ser conservada há muitos anos pelos seus próprios esforços.

Miguel chegou à região em 1973, e no início da década seguinte começou sua carreira como guia da caverna. Já no século XXI, conseguiu receber o título da terra, cuja vegetação original foi preservada e ajuda a impedir a entrada de sedimentos no Poço. De acordo com a legislação brasileira, é ilegal cobrar entrada para visitas a uma gruta, mas é desta forma que o guardião encontra seu sustento. O ingresso custa dez reais por pessoa e, em troca, o paraíso se mantém intacto. Mesmo sem ter um plano de manejo definido.

A bióloga Maria Elina Bichuette, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), já esteve na gruta algumas vezes, e considera a interdição equivocada. “O Ibama não entregou nenhum regulamento com instruções sobre o que o Miguel poderia ou não fazer lá dentro. Ele é uma pessoa humilde que cuida muito bem de um patrimônio da humanidade”, explica. Sobre a promessa de que o plano de manejo será entregue dentro de um ou dois meses, ela é realista. “Eles sempre dizem isso. Foram gastos mais de 100 mil reais de dinheiro público nesse trabalho e, até agora, não vemos resultados. Queremos transparência. Essa é uma exigência da sociedade científica e técnica espeleológica brasileira”, encerra.

O mergulho nas águas do poço, proibido desde 94, quando foi encontrado no local uma rara espécie de peixe, é apenas um dos exemplos de como o espaço é bem cuidado.. De acordo com Bichuette, alguns estudos posteriores mostraram que o bagre cego é endêmico de um aqüífero subterrâneo na região, o que significa que ele aparece também em outras cavidades. Mesmo assim, afirma, foi bom ter acabado com a natação, já que muito lixo era encontrado no fundo da pequena lagoa. Desde então, ninguém entra ali dentro sem uma licença em mãos.

Conselheira da RedeSpelo Brasil, Leda Zogbi tem opinião semelhante a de Bichuette. Segundo ela, Miguel está errado por ter modificado a caverna sem autorização, mas ninguém lhe passou um termo de conduta sobre como agir. “Principalmente em uma gruta na qual o Ibama/ Cecav trabalhou durante anos e não apresentou nenhum resultado para a sociedade ou para o Miguel. Não é dar uma multa de 50 mil reais que vai resolver a situação”, lembra.

Para tentar resolver um problema criado internamente, dois técnicos do Ibama e um espeleólogo contratado estão, nesse momento, fazendo uma primeira avaliação do impacto dos degraus para o Poço Encantado. Durante esta semana, outras cavernas da região também vão recebê-los, como a Pratinha, a Manoel do Ioiô e a Buraco do Cão. Caso sejam encontradas novas irregularidades, elas também devem ser fechadas para o turismo.

De acordo com Matos, o governo do estado da Bahia se comprometeu, no início da década, a fazer os planos de manejo das grutas localizadas na Área de Proteção Ambiental Marimbus-Iraquara (todas, com exceção dos Poços Encantado e Azul). Como de costume, os estudos ainda não saíram do campo da teoria para entrar na prática. Até que isso aconteça, é possível que os visitantes da Chapada Diamantina, uma das atrações turísticas brasileiras mais reconhecida no mundo, tenham de se contentar em ver as cavernas apenas do lado de fora.

Salve o verde urbano!

Gustavo Faleiros

07.11.2007

Após assustar ambientalistas de todos os credos e linhas de atuação, o projeto de lei 3057/2000, que cria novas regras para o loteamento nas cidades, está passando por alterações significativas na Comissão Especial de Parcelamento do Solo para Fins Urbanos, na Câmara dos Deputados. Após reuniões, nesta terça e quarta-feira, entre entidades ambientalistas, parlamentares e setores da construção civil, foi apresentado ao relator Renato Amary (PSDB-SP) uma proposta que ameniza os perigos de que novos loteamentos possam causar perda de áreas verdes nas zonas urbanas. A questão em aberto continua sendo como regularizar o passivo ambiental de ocupações ilegais.

A proposta foi apresentada pelo deputado Fernando Chucre (PSDB-SP) e incorporou sugestões do deputado Sarney Filho (PV-MA). Os pontos principais dizem respeito à definição de zona urbana consolidada. Isso significa que a lei de loteamentos só se aplicará em áreas dos municípios onde já existam um adensamento demográfico regularizado e com infra-estrutura urbana. Desta forma, impede-se que prefeituras avancem sobre a zona rural para expandir as cidades sem fazer licenciamento ambiental. “Isso é o mais importante, porque não vamos discutir nesta lei urbana alterações mais profundas na legislação florestal”, observa Sarney Filho.

Além disso, as emendas apresentadas pelos deputados alteram todas as ameaças que estavam colocadas com relação à manutenção das áreas de preservação permanente (APPs). No relatório original, as áreas verdes nas margens dos rios ou encostas de morro passariam a contabilizar o terreno total do proprietário, algo que em última instância alterava o Código Florestal (Lei 4771/65) e poderia abrir brechas para o loteamento de APPs. Na proposição de Chucre, as APPs continuam sendo averbadas pelo proprietário como áreas públicas e não podem ser danificadas ou alteradas.

O polêmico Artigo 14 do PL 3057 recebeu uma redação branda na avaliação de ambientalistas, mas útil na visão dos urbanistas. No texto original, dizia-se que os rios com até 2 metros de largura poderiam ter sua mata ciliar reduzida de 30 metros para 15 metros. Na proposta dos deputados Chucre e Sarney, 15 metros passa a ser o mínimo permitido apenas nas ‘zonas urbanas consolidadas’. Assim mesmo, quem definirá isso será o Plano Diretor de cada município. Propõe-se a supressão da idéia (um tanto estranha diga-se) que havia no relatório de Amary de que a largura dos rios só seria determinada nos períodos de seca e não de cheia. Isso ajudaria a reduzir ainda mais a faixa florestal de proteção nas margens dos rios.

Regularização problemática

A ala do setor de constução civil que trabalha com habitações parece satisfeita com o acordo costurado com ambientalistas e parlamentares. Na opinião de Ronaldo Lucas Brane, diretor de Meio Ambiente do Sindicato da Construção Civil de São Paulo (Secovi-SP), houve um avanço pois foram retirado “excessos” do texto original. Entre os abusos que havia, cita, a incorporação de APPs nos loteamentos era inaceitável. Outro ponto pacífico é a introdução do conceito de zona urbana consolidada. “Essa lei trata de questões urbanas, todo o resto vai ser tratado por zoneamento costeiro, Código Florestal, lei da Mata Atlântica”, argumenta.

A questão que continua em aberto no debate do PL 3057 é a regularização dos passivos ambientais de construções feitas antes que esta nova lei de loteamentos venha a ser aprovada. Brane acha que já houve ganhos quando o segmento ambiental da Câmara dos Deputados, representada por Sarney Filho, aceita que pequenos rios, aqueles com até dois metros de largura, possam ter 15 metros de mata ciliar e não 30 como prevê o Código Florestal. Neste caso, começa a se delinear uma “lei ambiental urbana”, comemora Brane.

Não é dessa forma que exerga o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Antônio Herman Benjamin, que coordena uma comissão no fórum de acompanhamento do PL 3057. Segundo ele, o setor da construção civil reluta em aceitar a regularização de passivos ambientais. “O futuro das áreas verdes já está resolvido na proposta, agora ninguém quer falar do passado.” Segundo ele, não está definido como ficarão as áreas verdes quando loteamentos ilegais tiverem que passar pelo crivo da lei.

O diretor de Assuntos Fundiários Urbanos do Ministério das Cidades, Celso Carvalho, concorda que nada está sendo apresentado ou realmente debatido para que haja uma solução para regularizar moradias construídas ilegalmente sobre APPs. Ele lembra que isto é particularmente delicado, pois a grande maioria das ocupações em regiões de preservação ambiental são de baixa renda. Ele acha que se houvesse uma redução das exigência ambientais, mesmo abrindo mão de matas ciliares, haveria um ganho na qualidade de vida de muitas pessoas que vivem num espaço do território brasileiro relativamente pequeno, as regiões metropolitanas.

“Temos pessoas morando sem quaisquer condições sanitárias e a regularização de suas moradias teria um impacto social e ambiental muito grande”, opina. Sua sugestão é que haja parâmetros ambientais menos rígidos para cidades com mais de 100 mil habitantes e com grande número de ocupações ilegais de baixa renda. Desta forma a regularização iria atingir a maioria da população pobre vivendo em APPs.

Ao todo, foram apresentados 10 votos em separado ao relatório do deputado Renato Amary. Ele afirma que ainda vai analisar todos e não dá pistas de que aceitará as alterações sugeridas pela bancada ambientalista. Nas próximas semanas, quando a Comissão voltará a se reunir para analisar o relatório final, será possível saber se as cidades do futuro terão suas áreas verdes protegidas, ou se já irão nascer totalmente cinzas.


Oficina na Rocinha associa turismo a desenvolvimento social



Dentro da perspectiva privilegiada pelo IVT de que a atividade turística pode e deve ser mecanismo de Desenvolvimento Social, nossa equipe foi visitar uma iniciativa na Rocinha, Rio de Janeiro, onde uma oficina de guias turísticos mirins oferece uma proposta de vida aos adolescentes da favela.


Por Ivan Bursztyn, Daniel Soeiro e Simone Saviolo

A Rocinha ocupa, há bastante tempo, um espaço no imaginário popular; sua grandiosidade, sua localização privilegiada e seu dinamismo econômico são aspectos que fazem desta uma das favelas mais conhecidas no Brasil e no estrangeiro.

Agora, além conhecê-la pelos noticiários, as pessoas podem passear por suas ruas e vielas, sem medo, principalmente os turistas estrangeiros, que chegam ao Rio de Janeiro interessados nas famosas favelas brasileiras. As agências de turismo detectaram, há algum tempo, esse interesse e procuraram formas de apresentar a favela ao turista, o que não é uma coisa simples, já que, numa favela, os códigos de conduta e institucionalidades são bem diferentes das que estamos acostumados.

Na Rocinha, existem algumas agências operando, através de passeios de veículos ou a pé. Neste artigo, conheceremos um pouco deste trabalho, em especial o desenvolvido por Rejane Reis, que possibilita a menores da favela uma oportunidade de trabalho e educação.

Para melhor compreensão, colocamos um pequeno histórico do processo de favelização no Rio de Janeiro, bem como um panorama atual da Rocinha, que já deixou de ser uma favela e pode ser considerada um bairro, como o próprio IBGE a considera.

Favelização na cidade do Rio de Janeiro

Algumas causas fundamentais do processo de favelização da cidade do Rio de Janeiro foram a busca de proximidade com o mercado de subsistência e a redução de tempo de deslocamento, apesar da densidade e insalubridade destas novas moradias.

A pobreza do Rio absorveu sucessivas levas de imigrantes. O Rio foi, no século XIX e décadas iniciais do XX, o principal ponto de destino para o fluxo migratório portugês. Este aporte esmaeceu nos anos 50, porém, antes disso, recebeu importantes correntes migratórias internas, de Minas Gerais e principalmente do Nordeste. Além disso, o Rio recebeu alguma transumância da própria Província Fluminense.

É fácil compreender as razões pelas quais a metrópole atrai a pobreza. Oferece uma convivência socializada, abre magicamente a "loteria da vida" e, apesar de toda precariedade, eleva o padrão de bem-estar e acessabilidade aos serviços sociais.

É forte a tendência à reprodução familiar da pobreza, através das gerações. É altíssima a probabilidade do filho do pobre permanecer pobre e "herdar" a brecha de subsistência paterna. A distribuição socioespacial da população do Rio atravessou uma grande transformação no final do século XIX. Os ricos deslocaram-se dos altos para a orla marítima. As frações de pobreza ligadas à logística da cidade permaneceram nos prédios degradados do Centro.

Ao longo do século XX, a pobreza do Rio distribuiu-se pelos novos cortiços, pelos loteamentos improvisados nos eixos dos subúrbios e pelas favelas nas encostas dos morros e zonas inundáveis. De um início discreto, a favela impôs sua presença efetiva no espaço urbano e no imaginário do Rio de Janeiro, a partir do anos 20.

Nos anos 40, intensificou-se o favelamento nas zonas Sul e Norte da cidade. A Zona Sul tinha dez favelas em 1942. Oito anos depois, eram 25 favelas, com 40 mil pessoas; no Rio existiam 113 comunidades. No início dos anos 60, eram conhecidas 147 favelas no Rio, onde viviam 337.400 habitante.

Fonte: Carlos Lessa, O Rio de todos os Brasis(cap. 9), Record, 2000.

A Rocinha hoje

A favela da Rocinha situa-se na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e possui cerca de 200.000 habitantes, em uma área de 700.000 metros quadrados.

Histórias contadas através de livros e depoimentos de pessoas que residiram e residem na Rocinha narram que a comunidade recebeu seus primeiros habitantes, logo após a II Guerra Mundial, vindos de Portugal, França e Itália. Eles viviam, basicamente, da agricultura, possuíam pequenas roças e vendiam suas produções no povoado vizinho (Gávea). Daí surgiu o nome: Rocinha.

As casas de madeira dos primeiros imigrantes nordestinos da década de 40 e 50 foram substituídas, com o tempo, por outras de alvenaria, existindo atualmente numerosos prédios de até 7 andares, geralmente divididos em pequenos quartos de aluguel. Há poucas vias de acesso de veículos, predominando um labirinto de vielas e becos, por onde circula a população. Cerca de 60% das casas possuem água encanada, sendo que apenas 20% delas estão ligadas à rede pública de esgoto. A quase totalidade das habitações possue luz elétrica, geralmente através de conexões clandestinas.

Na década de 70, surgiram discussões de grupos organizados, visando o desenvolvimento social da comunidade. Foram reivindicados perante o poder público: saúde, educação, água, luz e saneamento básico. A água e a luz chegaram em algumas residências. Na década de 80, surgem as escolas, creches e centros comunitários. Foi, então, implantado o Centro de Saúde, o Núcleo da CEDAE e a Região Administrativa.

Através da Lei 1995 de 18 de julho de 1993, a Rocinha foi transformada em bairro e, a partir daí, grandes investimentos e empreendimentos começaram a compor este universo de hoje.

Possui um comércio muito diversificado, ocupando a parte mais baixa, como a Via Ápia ou o Largo do Boiadeiro. O morador não precisa sair do bairro para comprar o que precisa, desde um botão de roupas até móveis. No alto do morro vê-se São Conrado e do outro lado a Lagoa e o Morro do Corcovado, onde fica o Cristo Redentor. Quem conhece o Rio pode afirmar ser esta uma das vistas mais bonitas.

Apesar das dificuldades, os moradores estão organizados em centros comunitários, clubes e associações não governamentais.

Em resumo, segundo Associação Comercial da Rocinha, a comunidade possui:

  • 200 mil habitantes;
  • 2.500 estabelecimentos comerciais cadastrados;
  • 2 linhas de ônibus trafegando internamente;
  • 2 bancos (Caixa Econômica e BANERJ);
  • 2 rádios comunitárias (Katana e Rocinha);
  • 3 casas de shows (Clube Emoções, O Varandão e Clube Umuarama);
  • 1 Escola de Samba (Acadêmicos da Rocinha - no grupo especial);
  • 1 Região Administrativa do Município;
  • 4 Escolas Municipais;
  • 1 Agência de Correios;
  • 3 jornais comunitários (Correio da Zona Sul, O Katana, O Noticiário);
  • 2 Postos de Saúde (1 da Associação de Moradores; outro, do Município);
  • 1 Escola de Futsal;
  • 2 supermercados;
  • 1 Empresa de ônibus sediada no local;
  • 2 laboratórios fotográficos (Deplá e Fuji);
  • 1 TV a cabo - TC ROC (www.rocinha.com.br).

Links:
TC ROC http://www.rocinha.com.br
Acadêmicos da Rocinha http://www.artes.com/rocinha/indescola.htm

Turismo na Rocinha

O interesse dos estrangeiros pela vida nas favelas cariocas levou agências e guias a se especializarem nesse tipo de turismo. A Rocinha, na Zona Sul, e a Mangueira, na Zona Norte, costumam ser as mais visitadas. O turista é quase sempre estrangeiro. "Brasileiro não visita favela", diz Rejane Reis, da Exotic Tours, que opera na Rocinha há quase dez anos. Há outras agências que incluem a Rocinha nos passeios oferecidos: a Favela Tours e a JeepTours.

A Rocinha entrou, definitivamente, no roteiro turístico do Rio de Janeiro. Ela já recebe 2.000 visitantes estrangeiros por mês e possui o primeiro posto de atendimento ao turista em favela. Uma comissão formada por agentes de turismo e lideranças comunitárias locais selecionou 19 estabelecimentos aptos a receber turistas. Entre eles, há uma adega, três restaurantes e sete lojas de confecção.

O posto de atendimento ao turista foi montado na saída do túnel Lagoa-Barra, ao lado da escola de samba Acadêmicos da Rocinha e do Hotel São Conrado Palace. O hotel está abandonado há sete anos e foi comprado pela prefeitura do Rio para instalação de creche, posto de saúde e cursos de formação de mão-de-obra. O posto funcionará também como centro de exposição e venda de artesanato produzido na favela.

A Rocinha participou do roteiro do chamado turismo alternativo para estrangeiros em 1992, durante o encontro mundial sobre ecologia, Eco-92. Na ocasião, foram feitas as primeiras experiências de visitas organizadas à favela. Antes disso, turistas já subiam o morro, levados por guias ''''''''''''''''free-lancer'''''''''''''''', mas em passeios improvisados.

A segurança não é apontada como problema. ''''''''''''''''Nunca presenciamos assalto durante as excursões'''''''''''''''', assegura Bela Seabra Pinto, proprietária da JeepTours. Ela conta que os europeus ,sobretudo os escandinavos, são os mais interessados em conhecer as favelas: ''''''''''''''''Eles chegam curiosos, excitados e, ao mesmo tempo, tensos, porque imaginam que irão se deparar com muito sofrimento e desgraça. No final, saem felizes com o que viram'''''''''''''''', afirma a empresária.

Links:
www.jeeptour.com.br
www.favelatour.com.br
www.exotictours.com.br

Oficina de turismo

Antes de montar a oficina para guias turísticos mirins na Rocinha, Rejane Reis, que é guia turística e moradora das proximidades, há alguns anos já percorria as ruas e vielas da favela, guiando grupos de turistas. Isso despertou sua atenção para a possibilidade de se oferecer uma alternativa para as crianças que ela encontrava nessas visitas: "Enquanto guiava as pessoas com as excursões, um grande número de crianças seguia-me para pedir dinheiro. Foi então, que eu tive a idéia de lhes ensinar um pouco da minha profissão."

Rejane nos disse que uma das preocupações dela sempre foi a de mudar essa mentalidade das pessoas, em geral, e das crianças, em particular, de ver o turista e achar que ele tem a obrigação de dar alguma esmola. Por isso, incentivou as pessoas que iam até ela a oferecerem algum produto ou serviço, seja artesanato ou uma melhor apresentação do seu estabelecimento.

Conseqüentemente, estabeleceu uma relação mais confiável com a comunidade, pois esta se sentiu retribuída por abrir suas intimidades a pessoas tão diferentes, principalmente considerando a complicada situação social e econômica em que se vê inserida, além de recuperar um pouco sua mais que combalida auto-estima, ao ver os turistas, que poderiam estar visitando tantas atrações desta cidade, subirem e descerem as ladeiras com suas máquinas em punho.

"Cerca de 90% dos turistas que chegam ao Rio sabem que, na cidade, existem muitas favelas e muitos deles querem ver de perto como é a vida dentro dessas comunidades. Para quem mora no local, é muito mais fácil mostrar o que há de interessante. O curso abre o horizonte profissional da garotada, que pode fazer este trabalho por agências ou guias de fora da Rocinha.", explica Rejane, que limita a participação no curso a adolescentes com mais de 14 anos e que estejam estudando.

A oficina consiste nas aulas teóricas de português, geografia, inglês e espanhol, com professores que puderam ser contratados a partir do apoio dado pelo SEBRAE/Proder, além de aulas especificamente ligadas ao trato com o turista, ministradas pela própria Rejane. São feitos passeios com os alunos pelos pontos turísticos da cidade, como o Corcovado, para que estes não só conheçam melhor sua cidade, como saber o que os turistas costumam visitar aqui.

Assim que o aluno começa a se mostrar preparado, é chamado a participar dos passeios oferecidos pela Exotic Tours, que, de acordo com o número de turistas, conta com alunos mais experientes, além do guia da agência. Ali ele pode pôr em prática o que aprendeu nas aulas, além de ganhar uma ajuda de custo, que é uma forma de recompensar seu esforço e remunerar seu trabalho. Cada guia recebe R$ 10 por passeio. É sempre um guia para cada dois turistas: "Estabelecemos essa proporção para que todos tenham oportunidade de ganhar", diz Rejane.

A oficina já formou duas turmas e a duração do curso é de quatro messes. Atualmente, Rejane está dando aulas também em Vila Canoas, uma comunidade bem menor que a Rocinha, localizada em São Conrado. "Ainda não é um curso profissionalizante como o da Rocinha, onde temos apoio para contratar professores. Aqui passo noções sobre a forma de conduta de um guia.", diz Rejane, que contou que os alunos são tão tímidos ao começarem o curso, que precisa até ensiná-los a sorrir.